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Em Outubro de 2008 saiu o último número da revista Arquitectura e Vida (o 97º). José Charters Monteiro foi seu director ao longo do primeiro ano de vida, entre Fevereiro de 2000 e Janeiro de 2001, e retomou o cargo em Abril de 2006 até ao seu final; este livro encerra esse ciclo compilando os 40 editoriais por si assinados – aos quais se juntou uma introdução explicativa pelo autor, um prefácio por Manuel Tainha (belo texto que desde já convido a ler em alternativa ao que em seguida se apresenta) e uma fotografia por texto que completam, complementam ou questionam o mesmo – a visão crítica explanada nas palavras tem eco nas imagens captadas por José Charters Monteiro.
     São textos de dimensão regulada pelo rigor métrico da paginação de um editorial (uma página ou duas) e seguem a fórmula usual neste género de composições: partindo de um acontecimento propõem uma reflexão. Mas Charters Monteiro não segue uma “regra” de escrita normalmente utilizada pelos editorialistas: a de que, para uma rápida percepção da mensagem, o texto deve apenas transmitir uma “ideia”. Nestes editoriais – embora curtos, assentes numa linguagem directa e inteligente –, à sua rápida leitura não corresponde uma imediata assimilação, pois baseiam-se em mais de um acontecimento cuja leitura é ponto de partida para uma reflexão e o levantar de uma série de perguntas para as quais não há uma resposta fácil (se é que haverá resposta).
     Os temas abordados são a habitação, o planeamento urbano, o ordenamento territorial, as condições ou problemas da prática profissional da arquitectura, em resumo, a Arquitectura. Em Portugal, no início do século XXI.
     A escrita de José Charters Monteiro é directa e inteligente, repito-o conscientemente para afirmar o contraste existente com os textos de outros autores/directores, em que os “floreados” pseudo-intelectuais disfarçam a ausência de opinião e ideias. Estes textos não escondem ou disfarçam o que pensa o seu autor que, num estilo pouco usual nas páginas da nossa imprensa, não se coíbe de criticar iniciativas ou processos – embora evite nomear pessoas, o que talvez seja uma pena – e de apontar a responsabilidade aos técnicos – entre eles, especial destaque para os arquitectos, decisores políticos e não só –, mas também ao cidadão comum, pelas mais diversas situações ou, generalizando, por não vivermos num mundo melhor. A leitura de todos os textos – que na sua ritmada dimensão poderiam ser o expedito registo de um tempo comentado – constitui, desta forma, contributo para uma reflexão sobre a construção do nosso território e a prática da arquitectura.
     Estando cronologicamente organizado (excepção feita aos “primeiros” editoriais e ao de balanço do primeiro ano), o texto inaugural deste livro, “Requalificação e pacto habitacional”, inicialmente publicado em Março de 2000, demonstra desde logo a actualidade e pertinência desta colectânea, pois conduz-nos até há necessidade de repensar a indústria da construção, afastando-a da especulação para a recentrar na reabilitação, como que adivinhando a crise que agora atravessamos. Mas, continuando com a leitura, um outro texto, “Forma e especulação, quem segue quem?” (Setembro 2007), demonstra a contínua preocupação com o social e o colectivo, inerente ao universo da edificação, assim como a capacidade de propor distintas abordagens, recuperando o contexto de fundo – a especulação e a usura do território – para o debate do papel do arquitecto na sociedade.
     Por vezes, os motivos que desencadeiam o editorial não estão explícitos, mas implícitos – pensamos recordar um motivo que lhes tenha dado origem ou então sentimos a falta de uma nota explicativa, por mera curiosidade histórica ou para maior compreensão do sentido das palavras utilizadas, mesmo que essa ausência não impeça a transmissão da mensagem; outras, são situações ou eventos devidamente indicados e explicitados que espoletam uma reflexão de âmbito mais geral ou de carácter mais específico, uma crítica ou comentário que, apesar de tudo, se confina a si mesmo, não sendo, por isso, de menor relevância – são disso exemplo os dois editoriais relativos ao Concurso de Ideias para o Parque Mayer/Jardim Botânico (“Parque Mayer – Jardim Botânico, desconstruir o conflito?” e “Politécnica, Jardim Botânico, Parque Mayer – mais, com menos”), onde não são poupados quer a Câmara Municipal de Lisboa quer os projectistas e que poderão vir a constituir um útil contributo para a evolução desse processo ou, pelo menos, para a compreensão futura do ocorrido, graças à sua singular frontalidade (e já agora atente-se na sintética e belíssima descrição dessa parte da cidade de Lisboa, no princípio do primeiro destes dois textos).
     São também textos irónicos quando se referem ao “tuning da habitação” (em “E a habitação colectiva?”) ou a Portugal como um “[...] país obeso” (em “arquitectura Grande, grande Arquitectura?”); críticos quando se diz não se adivinhar “[...] um bom resultado geral para o País e os arquitectos bem o sabem” (em “À primeira vista parece simples: Habitar Portugal”) – mas que, apesar de tudo, transmitem alguma esperança quando declaram que “a essência da afirmação da arquitectura e do papel social do arquitecto passa por um diversificado percurso daquelas centenas, hoje milhares, de arquitectos que centraram a sua actividade sobre os fins mais nobres: a sociedade e os cidadãos, o mundo construído, da casa à cidade” (em “Elogio da arquitectura”).
     Este livro é um painel feito de mosaicos, todos eles diferentes entre si, à partida aparentemente inconciliáveis, mas que, reunidos, nos transmitem uma imagem coerente: a luta é difícil, mas a vitória é possível. |

 


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